A interseção entre as esferas médicas e jurídicas torna-se especialmente relevante quando se trata da prescrição de medicamentos de forma off-label, ou seja, de maneira diversa daquela previamente estabelecida e aprovada pelas autoridades regulatórias. Dedicamo-nos, neste artigo, a elucidar a responsabilidade civil do médico neste contexto, visando prover aos profissionais de saúde uma visão clara e objetiva sobre o tema.
Entendendo o Uso Off-Label
O uso off-label refere-se à prescrição de um medicamento de maneira diferente daquela contida na bula aprovada pelas autoridades regulatórias. Isso pode envolver alterações de dose, via de administração, faixa etária ou mesmo indicação clínica.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em sua Resolução Normativa RN 465/2021, fornece um arcabouço jurídico sobre o tema, esclarecendo que a utilização off-label abrange o emprego de medicamentos ou tecnologias em saúde para fins não especificados na bula ou manual registrado na ANVISA.
Limitações e Exceções
Embora a ANS permita a exclusão de cobertura contratual para tratamentos off-label, há circunstâncias em que tal exclusão é limitada. Por exemplo, quando há aprovação para sua disponibilização no Sistema Único de Saúde (SUS), nos moldes descritos em legislações específicas.
Além disso, é notório que o Judiciário tem se posicionado frequentemente pela cobertura obrigatória desses tratamentos, respaldando-se na ideia de que cabe ao médico, e não à operadora, determinar o tratamento mais adequado.
A Centralidade da Decisão Médica e Sua Responsabilidade
Os médicos, neste cenário, detêm significativa autoridade no processo de decisão sobre tratamentos off-label. Esta autoridade, no entanto, vem acompanhada de uma correspondente responsabilidade, particularmente no âmbito civil. Ficou notório, por exemplo, o uso off-label de medicamentos durante o tratamento da COVID-19.
Se um paciente sofre danos decorrentes da prescrição de medicamentos fora das indicações aprovadas, essa responsabilidade se torna mais tangível. Caso seja evidenciada a falta de robustez nas evidências científicas que sustentavam tal prescrição, associada ao dano e o nexo causal, o médico pode ser enquadrado em situações de imprudência, negligência ou imperícia, configurando ato ilícito indenizável.
Recomendações Práticas
Para minimizar riscos e garantir a melhor prática médica, é imperativo:
- Basear-se em Evidências: As decisões médicas devem se fundamentar em evidências científicas robustas e atualizadas.
- Consentimento Informado: Sempre que possível e aplicável, os pacientes devem ser informados sobre o uso off-label do medicamento, seus possíveis riscos e benefícios, e fornecer seu consentimento de maneira clara e consciente.
Em suma, a prescrição off-label é uma ferramenta valiosa na prática médica. No entanto, a sua utilização demanda um alto grau de discernimento, conhecimento e responsabilidade por parte do médico, garantindo que o bem-estar do paciente esteja sempre em primeiro plano.